eu sei que você está triste e sem saber o que fazer com a sua tristeza.
porque os seus pais são muito legais mas às vezes soltam uma merda homofóbica que é difícil de ignorar. e que te lembra que eles gostam de esquecer uma boa parte de quem você é para conviverem bem contigo, e você se sente tolerada, e isso é doloroso.
eu sei que você ainda tá aprendendo a lidar com uma relação muito pesada que foi construída ao longo da sua infância e adolescência com os seus pais. eu sei que você ainda tenta ganhar a aprovação e o carinho deles sempre que pode. mesmo sendo tão “rebelde” e fazendo tanta coisa a contragosto. uma coisa não anula a outra, só faz doer mais.
eu sei que você adora se ver como independente e cheia de autonomia em relação a eles, e pensar que o que eles acham da sua vida não te afeta mais. sei que você acha o maior trunfo da sua vida atual você não morar mais com eles e não ter mais que lidar com “aquelas merdas”. mas sei também que você voltou para passar poucos dias com eles que viraram três semanas, e que você ficou arranjando desculpas para não voltar para sua casa. eu vi você compartilhar os seus “10” desse fim de período com a sua mãe do mesmo jeito que você fazia na 3ª série. e contar os milhões de planos do mestrado que você nem quer fazer só porque você sabia que ela ficaria orgulhosa e ia te validar.
e eu sei que a gente pode querer muita coisa na vida, mas a validação da mamãe ainda é uma das coisas que a gente mais quer.
por isso eu sei que doeu quando ela disse que você não ia poder comemorar seu aniversário aqui porque eles não querem que a sua namorada venha na casa deles, mesmo na ausência deles. por isso eu sei que doeu quando ela chamou a sua namorada de “amiga”, e quando você corrigiu ela fez aquela cara e disse que não consegue chamar de outra forma.
eu sei que são 09:44 e que você não dormiu e que passou horas pesquisando textos e vídeos e qualquer coisa que te trouxesse conforto sobre essa situação e não achou. sei também que você acha a sua breve situação de homofobia familiar coisa pequena diante das violências que muita gente sofre nas suas famílias. mas sei que mesmo achando pequeno você não consegue sentir como algo pequeno também.
eles não gritam, eles não falam barbaridades. eles simplesmente fingem que essa coisa não existe.
depois de dias repensando o porquê de eu não morar mais com eles, ontem à noite eu relembrei. hoje volto para casa. hoje vou chorar quietinha na cama quando chegar antes de voltar para a minha rotina e relembrar da minha autonomia, da minha independência, e de mais um cado de coisa que nesse momento é só palavra solta e sem sentido.
ontem eu acordei com 22 anos, mas hoje me vejo com 10 e culpada por mamãe não gostar de mim desse jeito. diria que acordei assim, mas nem dormi: mudei de idade no caminho. ou ela tá sempre aqui e só assumiu o comando hoje.
crianças feridas choram problemas de gente grande.
